O simples fato de “acender a luz” da energia búddhica em nossa
alma, ainda que fracamente, já provoca uma alteração e uma
desacomodação no carma individual. Em pequena escala, altera-se também o
carma coletivo.
Quando os Contratempos Surgem do Nada
Os contratempos parecem, então, surgir do nada e por puro
acaso: mas a verdade é que a expansão de consciência sutil libera novas
porções do carma acumulado, que antes estavam ocultas. A cada expansão de
consciência, surge a necessidade prática de transmutar uma porção
correspondente de ignorância, cuja presença em nós era desconhecida. E também
se revelam novas possibilidades positivas.
Alguns peregrinos dão um ou dois passos no Caminho e decidem voltar à
estagnação. Confrontados com certo número de imprevistos, pensam que é
mais seguro ficar na rotina e fugir das incertezas da Caixa de Pandora do
Carma. Assim postergam a caminhada. Preferem obedecer ao medo instintivo, até
que haja maturidade suficiente em suas almas.
Em outros casos não há desafios desagradáveis, mas surgem oportunidades
“positivas” de avanço no mundo, e elas provocam o mesmo efeito de afastar
o peregrino do Caminho. Quando, mais tarde, as possibilidades de
progresso mundano voltam a se desgastar, nem sempre a oportunidade do
aprendizado espiritual ainda está disponível.
No início, a variedade de motivos para que abandonemos o caminho é muito
grande. Rancores pessoais, desafios financeiros, afetos familiares, doença de
pessoas próximas, ambições de progresso individual nesta ou naquela esfera da
vida – qualquer acontecimento físico ou emocional, “positivo” ou
“negativo”, pode servir de pretexto para interromper o aprendizado interior.
O carma de curto prazo é como um caleidoscópio atraente e luminoso, que
muda incessantemente e usa fortes imagens para chamar nossa
atenção. O caleidoscópio do curto prazo testará de mil formas a nossa
decisão de caminhar em direção à sabedoria eterna e deixar de lado as
experiências que hipnotizam e fascinam as almas demasiado jovens.
O campo de testes da nossa decisão inclui o ambiente profissional
e o núcleo familiar. Os laços familiares – assim como a vida de
casal – são importantes fontes de testes para nossa coerência. Só
gradualmente seremos capazes de vencer os diferentes desafios.
A provação também ocorre em grupos humanos que têm um ideal nobre e
elevado. No início, frequentemente tudo parece fácil e as pessoas pensam:
“Estamos todos na mesma onda”.
Passados os primeiros momentos agradáveis, surgem os testes sem aviso
prévio; começam as rixas pessoais, as antipatias, e até as
mediocridades. Os sentimentos inferiores surgem, disfarçados
como se fossem coisas legítimas e “espirituais”. Só pouco a pouco cai a máscara
do processo da autoilusão, do qual nenhum estudante está livre, e surge a real
sabedoria.
Para vencer os testes, é importante ter autoconhecimento e
autocontrole. E também é necessário um estado de espírito incondicionalmente
pacífico.
O aprendiz deve formar um estoque pessoal de sentimentos de boa vontade
para com os amigos, familiares, colaboradores e colegas de
caminhada.
A Boa Vontade Primordial
Este sentimento primordial de boa vontade será usado
quando as forças negativas do subconsciente coletivo, ou do subconsciente
individual, quiserem convencê-lo de que seus irmãos estão
“totalmente errados”, “não sabem de nada”, ou “estão atrapalhando”.
A chave para não julgar de modo injusto os companheiros de caminhada
está em lembrar que cada pessoa deve prestar contas fundamentalmente diante
do tribunal da sua própria consciência, e que é seu dever responder aos outros
apenas pela sua Sinceridade, e pela Honestidade com que TENTA ajudar a
Causa comum. E mesmo nisso, mera desconfiança ou acusações infundadas
devem ser evitadas.
William Judge escreveu que o problema de pensar demasiado nos erros dos
outros é que, desse modo, esquecemos dos nossos próprios erros. Acusações sem
dados reais e com base em “palpites”, “intuições” ou “certezas
instintivas” são geralmente usadas pelas forças negativas do
subconsciente pessoal, ou do subconsciente coletivo, para destruir o respeito
mútuo que dá legitimidade a qualquer grupo de idealistas, e também a toda
empresa ou grupo familiar.
O ideal de Fraternidade não é um sentimento de amizade pessoal do tipo
que pode encontrar-se no Rotary Clube ou no Lions.
Quem quer que adote como meta a fraternidade universal será
testado, não só pelo seu próprio subconsciente, mas também pela
ignorância acumulada coletivamente pelos seres humanos, o que inclui poderosas
forças negativas agindo por meios telepáticos.
O ELOGIO DAS DIFICULDADES
Não é possível aprender teosofia de modo prático sem experimentar um
profundo sentimento de incomodidade. E isso por um motivo muito simples. É
precisamente a incomodidade que afasta a acomodação. A acomodação é o apego, a
ignorância feita rotina.
Este é um problema que vem de vidas anteriores. O mero estudo e a
leitura atenta não são suficientes para identificar suas raízes.
É verdade que logo que alguém descobre a teosofia existe a possibilidade
de que durante algum tempo tudo ocorra de modo agradável. O ensinamento parece
fácil, familiar, compreensível. Os acontecimentos fluem de modo tranquilo. Há
uma bênção sete dias por semana. Isso dura o tempo da recapitulação de lições
de vidas anteriores. Esse é também o período de descanso necessário após as
provações e os desafios que levaram o indivíduo à descoberta da teosofia. É o
tempo do alívio que o reencontro provoca.
Passada a etapa cômoda, porém, o teosofista só conseguirá ir além da
abordagem preparatória se tiver uma quantidade suficiente de fatores realmente
incômodos em sua vida.
Jamais se deve pensar, portanto, que os obstáculos e as dificuldades nos
afastam do caminho espiritual. Ao contrário. Eles nos aproximam. São eles que
abrem espaço para expansão da consciência. Porém, é preciso examinar se
queremos o caminho espiritual como ele é de fato - estreito, íngreme, incômodo,
difícil, sempre morro acima - e não como os preguiçosos, os ingênuos e os
desinformados gostariam que ele fosse.
Enquanto o eu inferior luta para superar com ética os obstáculos no
Caminho, a consciência interna transcende a situação de curto prazo e faz com
que o foco da consciência se desloque para níveis mais amplos da realidade, nos
quais será encontrada a verdadeira força interior. É o esforço incômodo do eu
inferior que dá direito cármico à libertação oculta da alma.
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Reproduzido de "O Teosofista", julho de 2010, pp. 1-2.
“Experimente colocar sua vida a
serviço da humanidade. Faça isso através da filosofia e da sabedoria universal
– e verá o seu problema resolvido. Quando os desafios e obstáculos surgirem,
agradeça por eles, porque eles são apenas mensagens e lições existenciais
destinadas a treiná-lo na aprendizagem. Decifre as mensagens trazidas pelos
contratempos, aprenda as lições de desapego e discernimento, e avançará no
caminho. Lamente por aqueles que vivem acomodados na ignorância. Coloque à
disposição deles a possibilidade do despertar.”
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